1 - "UM AUTISTA MUITO ESPECIAL" (Correio Braziliense)

14-12-2010 09:00

Deusina e Felipe(Matéria do jornal Correio Brasiliense)


Deusina escreveu um livro sobre autismo: “foi uma prestação de contas”

Universo particular

Receber o diagnóstico de autismo de um dos filhos é um dos momentos mais difíceis da vida de um pai. Mas é nesse instante que surge uma força incomparável com um único objetivo: proporcionar qualidade de vida para quem enxerga o mundo de uma maneira especial
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Aos seis anos de idade, Felipe rezava: “Papai do céu, muito obrigado pelo dia de hoje e me ajude a falar ‘mamãe’”. A segunda parte da oração foi acrescentada pela mãe dele, Deusina Lopes da Cruz, como uma estratégia para fazê-lo dizer a palavra mamãe. Oração memorizada, foi só Deusina escrever o próprio nome em um papel e colá-lo na roupa. Pronto, Felipe já poderia associar o nome à pessoa. Até o diagnóstico do filho, Deusina nunca tinha ouvido falar em autismo. Frente ao desconhecido, buscou informação, criou estratagemas para se comunicar com o garoto, lutou pela integração na escola e pela alfabetização. Tudo corria bem até a adolescência. Apesar de ter inteligência preservada e um bom nível de independência, Felipe começou a mudar. Reagia mal às frustrações e ficou agressivo. Aos 20 anos, ele desenvolveu um quadro de psicose que culminou com uma internação psiquiátrica — caso raro, segundo especialistas.

Apartada do filho, Deusina reuniu os cacos, rememorou histórias e escreveu o livro Um autista muito especial, lançado em 2008. “Foi como uma prestação de contas. Fiquei mais tranqüila e aliviada após a publicação. Escrevi para suportar e compreender melhor aquilo que havia acontecido”, relata.

Luta e superação são palavras comuns no percurso dos personagens ouvidos para esta reportagem. Familiares que, assim como Deusina, descrevem uma rotina de contínuo aprendizado — afinal, os autistas vivem um mundo diferente do conhecido pela maior parte das pessoas. Nesse universo particular, o cérebro processa as informações de forma desintegrada e, para organizar o caos gerado por essa dificuldade, o autista passa a buscar constantemente estabilidade, ordem, rotina. Costuma desenvolver comportamentos estereotipados e tem grande dificuldade para se comunicar.

Não é um caminho suave. A cada fase do desenvolvimento, começa um novo desafio. Na infância, após o diagnóstico, os pais buscam compreender os limites e peculiaridades do autista: que barulho o incomoda, qual a melhor forma de comunicação. Na adolescência, a turbulência hormonal acrescenta novas variáveis à intrincada síndrome. Na fase adulta, com o envelhecimento dos pais, o futuro se ergue como um enigma. A apreensão se baseia na ausência de políticas públicas em relação a medicamentos e tratamentos. Ávidos por informação, dedicados a criar formas de interação e, acima de tudo, obstinados pela conquista da felicidade dos filhos, os pais seguem como responsáveis por uma jornada que só pode ser resumida em uma palavra: amor.


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